top of page
Fique atualizado!
Receba os novos posts em seu Email

Obrigado pelo envio!

O não repasse à instituição financeira do valor retido à título de crédito consignado é peculato


O referido caso foi julgado no Superior Tribunal de Justiça, APn 814-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial, por maioria, julgado em 06/11/2019, DJe 04/02/2020.


O servidor público pode obter junto à instituição financeira o chamado crédito consignado. Esse tipo de empréstimo costuma ter juros mais baixos, pois ele é descontado diretamente do salário do servidor, isto é, para o banco, os riscos são reduzidos, pois o servidor público sequer recebe o dinheiro. Ou seja, para que o sistema funcione, é necessário que o órgão empregador faça a retenção dos valores mensais devidos pelos servidores e, logo em seguida, proceda ao repasse aos bancos credores.


Pois bem, em 2009, o então Governador do Amapá, em concurso com o Secretário de Planejamento, determinou à sua equipe de governo que a partir de então não mais fizesse o repasse às instituições financeiras dos valores retidos dos servidores.


Logo começaram a surgir as primeiras consequências. Uma das mais relevantes foi a inscrição dos servidores nos cadastros de devedores, porquanto a conduta apropriatória do Governo do Amapá, por seus gestores, impedia que os débitos dos consumidores, todos eles servidores do próprio Estado, honrassem o pagamento dos respectivos empréstimos. Além disso, as instituições financeiras acionaram o Estado judicialmente, o qual teve que arcar com todo o prejuízo causado pelo então governante.


Diante desse cenário, o MP denunciou esses dois réus e outros envolvidos nesses atos. Houve absolvição em 1ª e 2ª instâncias, tendo o MP recorrido ao STJ.


Mas e o que alegaram os Réus? Em suma, sustentaram que nunca tiveram o dolo de desviar tais recursos, pois esse montante retido foi utilizado para o pagamento da dívida do Estado decorrente de empréstimos firmados com instituições públicas de fomento de crédito. Isto é, eles jamais agiram em proveito próprio ou alheio.



E o que decidiu o STJ? Esses agentes públicos, mesmo agindo sem o intuito de desviar o dinheiro em proveito próprio ou alheio, cometeram peculato?


O administrador que desconta valores da folha de pagamento dos servidores públicos para quitação de empréstimo consignado e não os repassa a instituição financeira pratica peculato-desvio, sendo desnecessária a demonstração de obtenção de proveito próprio ou alheio, bastando a mera vontade de realizar o núcleo do tipo. Isto é, condenou-o os réus. 


Assim, tratando-se de aplicação de dinheiro particular e tendo o administrador público traído, evidentemente, a confiança que lhe fora depositada, ao dar destinação diversa à ajustada, não é requisito para a configuração do crime a demonstração do proveito próprio ou alheio. Mesmo que necessário fosse, sendo o dinheiro de servidores, ou seja, particular, o proveito exsurge do fato em si.


O peculato-desvio é crime formal que se consuma no instante em que o funcionário público dá ao dinheiro ou valor destino diverso do previsto. A obtenção do proveito próprio ou alheio não é requisito para a consumação do crime, sendo suficiente a mera vontade de realizar o núcleo do tipo.
Apesar de não ter ficado clara para mim a real utilização de tais recursos, se foram descontados dos contracheques dos servidores, são recursos particulares, não públicos, pois já são dos servidores. Tratando-se de valores particulares, o Estado não poderia utilizá-los em hipótese alguma. O ponto nodal aqui está em que o governo procedeu aos descontos e não os repassou. Portanto, se houve a retirada do dinheiro dos servidores, o não repasse a quem de direito significou desvio de dinheiro alheio.
Ademais, Como já dito, é incontroverso que houve o desvio de dinheiro particular de que o Estado tinha a posse em razão de convênio celebrado com as instituições financeiras, estabelecendo-se que o Estado retivesse esse dinheiro diretamente da folha de pagamento dos servidores e o repassasse aos bancos, ou seja, a disposição desse dinheiro estava nas mãos do governador e de seus secretários em razão de serem os administradores públicos. Aqui, cabe afastar quaisquer argumentos de que o denunciado não concorreu para a prática do crime, porquanto não se está falando de despesas ordinárias, e sim de movimentação financeira de milhões de reais num Estado como o Amapá, de arrecadação menor em relação a outros do país, sem a determinação do chefe maior do Estado.

Desse modo, configura peculato-desvio a retenção dos valores descontados da folha de pagamento dos servidores públicos que recebiam seus vencimentos já com os descontos dos valores de retenção a título de empréstimo consignado, mas, por ordem de administrador, os repasses às instituições financeiras credoras não eram realizados.

Obter Dictum: De início, ressalta-se que a diferença entre manipulação de dinheiro público ou particular tem especial importância na análise da questão do dolo na obtenção de proveito próprio ou alheio com desvio de finalidade das verbas e da simples aplicação inadequada dessa mesma verba. Essa discussão, que eventualmente surge na hipótese de o administrador público dar destino diverso ao previsto para a verba, mas ainda no âmbito público, a exemplo de deslocar montante que seria aplicado à saúde para a pavimentação de rodovia. Contudo, sendo o dinheiro particular, esse tipo de controvérsia se desfaz, pois não é dado ao administrador deslocar esse dinheiro para nenhuma outra finalidade que não a ajustada.

Peculato. Código Penal. Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa. Obs.: em janeiro de 2020 Presidente do STF suspende ação penal que condenou governador do Amapá à prisão. https://g1.globo.com/ap/amapa/noticia/2020/01/07/presidente-do-stf-suspende-acao-penal-que-condenou-governador-do-amapa-a-prisao.ghtml Fonte: STJ

 

Ivan Morais Ribeiro é advogado e Sócio-Diretor da Morais Ribeiro Advogados, atuando, desde sua fundação, na seara do Direito Penal e Processual Penal. Formado na Universidade de Brasília, Especialista em Ciências Criminais. Especialista em Direito Administrativo. Mestrando no Centro Universitário de Brasília, com ênfase em Política Criminal. Possui atuações relevantíssimas como advogado, destacando-se na Operação Métis, quando ajuizou uma Reclamação no STF, que suspendeu toda a Operação, bem como na Operação Zelotes, quando celebrou com o Ministério Público o primeiro Acordo de Colaboração Premiada da 2ª maior Operação Criminal do País. Diversas atuações em outros casos de repercussão lhe renderam expressivo reconhecimento, sendo prestigiado com a Moção de Louvor da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Ex-membro da Comissão de Assuntos Constitucionais da OAB/DF e ex-Consultor da Comissão de Direito dos Animais da OAB/DF.

Endereço

Setor Bancário Norte, Quadra 02 -Brasília

Contato

Seguir

  • instagram

Tel: (61) 3272-1299 (Whatsapp)
Não entramos em contato com ninguém.

©2019 by MR.

bottom of page