A reincidência do porte de drogas para consumo tem que ser específica para o aumento de pena do §4º
- Ivan Morais
- 2 de mar. de 2020
- 7 min de leitura
"O art. 28 da Lei nº 11.343/2006 prevê o crime de porte de drogas para consumo pessoal.
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Em regra, as penas dos incisos II e III só podem ser aplicadas pelo prazo máximo de 5 meses, vide §4º:
“em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.”
A reincidência de que trata o § 4º é a reincidência específica. Assim, se um indivíduo já condenado definitivamente por roubo, pratica o crime do art. 28, ele não se enquadra no § 4º. Isso porque se trata de reincidente genérico. O § 4º ao falar de reincidente, está se referindo ao crime do caput do art. 28". (Fonte Dizer o Direito) Por fim, veja-se o voto na íntegra do Ministro Nefí Cordeiro: RECURSO ESPECIAL Nº 1.771.304 - ES (2018/0263873-2) RELATOR : MINISTRO NEFI CORDEIRO RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO RECORRIDO : GELBER ARARIBA ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
RELATÓRIO
MINISTRO NEFI CORDEIRO (Relator): Trata-se de recurso especial interposto em face de acórdão que deu provimento ao recurso de apelação. Sustenta o recorrente violação do art. 28 da Lei 11.343/06 e divergência jurisprudencial, ao fundamento de que a reincidência mencionada no respectivo dispositivo é a genérica, não a específica. Requer o provimento do recurso para que seja reformada a decisão impugnada, restabelecendo-se a pena fixada pelo Juízo de primeiro grau. Contra-arrazoado e admitido na origem, manifestou-se o Ministério Público Federal pelo provimento do recurso. É o relatório. VOTO
MINISTRO NEFI CORDEIRO (Relator): O recorrido foi condenado, pela prática dos delitos previstos no art. 180, caput, do CP e no art. 28, § 4º, da Lei 11.343/2006, às penas, respectivamente, de 1 ano de reclusão e 10 dias-multa e de 10 meses de prestação de serviços comunitários. Diante de apelação da defesa, o Tribunal de origem reformou a sentença para afastar a aplicação do § 4º da mesma lei, reduzindo a pena, quanto ao delito do art. 28 da Lei de Drogas, a 5 meses de prestação de serviços comunitários. O recorrente, MINISTÉRIO PÚBLICO, sustenta que a reincidência referida no art. 28 da Lei 11.343/06 é a genérica. Contudo, o Tribunal a quo adotou o entendimento de que a reincidência tratada no § 4º do artigo 28 da Lei nº 11.343/06 seria específica - e não genérica olvidando-se de que não é dado ao operador da lei fazer interpretação restritiva nas hipóteses em que o legislador assim não o fez (fls. 179-180). Ademais, aponta a ocorrência de divergência jurisprudencial em relação a decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.
O voto condutor do acórdão proferido pelo Tribunal de origem decidiu (fls. 163-167): Voto condutor proferido pelo Tribunal de origem: "Primeiramente, entendo necessário estabelecer que a impugnação à sentença orbita em torno do § 4º, do art. 28, da Lei n. 11.343/06, que assim prevê: § 4º Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses. (grifo nosso). Tal dispositivo prescreve que o agente condenado no art. 28 da referida lei, por uso de drogas, caso seja reincidente e lhe aplicado a pena prevista nos incisos II e III do caput, poderá ter sua condenação aumentada para até 10 (dez) meses. Entretanto, é notável na jurisprudência e na doutrina pátria uma importante discussão acerca da reincidência de que se trata o dispositivo. Encontramos, neste sentido, duas correntes distintas: i) aquela que entende que esta reincidência pode ser genérica; e ii) aquela que entende que esta reincidência deve ser específica. Em defesa da primeira corrente, o jurista Renato Brasileiro de Lima assim discorre: Sem embargo desse entendimento, na medida em que o § 4° do art. 28 faz referência apenas à reincidência, sem fazer qualquer distinção explícita quanto à espécie - se genérica ou específica -, não é dado ao operador fazer uma interpretação restritiva. Afinal, quando a Lei faz menção à reincidência específica, sempre o faz de maneira expressa. (...) Portanto, diante do silêncio do art. 28, § 4°, o ideal é concluir que a reincidência ali mencionada é genérica. Entretanto, percebe-se que a jurisprudência de outros Tribunais Estaduais, a qual me filio, segue a corrente contrária ao entendimento do ilustre jurista. Neste sentido, vejamos o E. TJRS: [...] Neste sentido, também é o Enunciado Criminal n. 118 da FONAJE: ENUNCIADO 118 - Somente a reincidência especifica autoriza a exasperação da pena de que trata o parágrafo quarto do artigo 28 da Lei nº 11.343/2006 (XXIX Encontro - Bonito/MS). Por fim, julgo importante transcrever o posicionamento do nobre jurista Luiz Flávio Gomes, filiando-se ao entendimento da necessidade de reincidência específica: (...) Caso o agente tenha alguma outra condenação procedente (por roubo, homicídio, evasão de divisas, gestão temerária de empresa etc) e vem a praticar o fato descrito no art. 28, em nada será prejudicado em virtude dessa condenação anterior. O fato de ter condenação por outro crime (distinto da posse de droga) não impede a aplicação das penas no art. 23 (posse de droga para consumo pessoal), sua pena não pode passar de cinco meses. Quando reincidente específico no art. 28, sua pena poderá chegar a dez meses (...) Assim, entendo que para que o limite de 05 meses do prazo da pena prevista pelo § 3º, do art. 28, da Lei n. 11.343/2006 seja sobrepujado, a reincidência presente no § 4º do mesmo dispositivo deve ser específica, isto é, somente nos casos de: nova condenação pelo caput do art. 28. In casu, o D. Mistério Público logrou em comprovar a reincidência do apelante, porém não a específica, eis que o documento de fls. 96/97v apresenta condenação transitada em julgado pelos artigos 157, § 2º, I e II c/c arts. 29 e 71, todos do CP. Portanto, não se encontra presente a reincidência específica do apelante, devendo ser afastada a incidência do § 4º, do art. 28, da LAD. Assim sendo, reformo a sentença de fls. 98/103 para modificar a dosimetria da pena no tocante ao delito do art. 28 da Lei n. 11.343/2006, afastando a aplicação do § 4e do mesmo dispositivo e fixando a pena de prestação de serviços à comunidade no prazo de 05 (cinco) meses. Pelo exposto, CONHEÇO do recurso e DOU-LHE PROVIMENTO para fixar a pena imposta pelo cometimento do delito previsto no art. 28 da Lei n. 11.343/2006 em 05 (cinco) meses de prestação de serviços à comunidade. Por oportuno, trago à colação o mencionado dispositivo: Lei 11.343/2006: Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. § 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. § 3º As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses. § 4º Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.
Na hipótese, constou do acórdão que o documento de fls. 96/97v apresenta condenação transitada em julgado pelo delito do art. 157, § 2º, I e II, c/c arts. 29 e 71 do CP (fl. 166). Não obstante a existência de precedente em sentido diverso (AgRg no HC 497.852/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 11/06/2019, DJe 25/06/2019) – em que a reincidência genérica era pela prática dos delitos de roubo e de porte de arma –, melhor refletindo sobre a matéria, tenho que, embora não conste da letra da lei, forçoso concluir que a reincidência de que trata o § 4º do art. 28 da Lei 11.343/2006 é a específica. Com efeito, a melhor exegese, segundo a interpretação topográfica, essencial à hermenêutica, é de que os parágrafos não são unidades autônomas, estando vinculadas ao caput do artigo a que se referem. Nesse contexto, fica evidente que aquele que adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido, em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo [...] pelo prazo máximo de 10 (dez) meses. Vale dizer, aquele que reincidir na prática do delito de posse de drogas para consumo pessoal ficará sujeito a penas mais severas – pelo prazo máximo de 10 meses –, não se aplicando, portanto, à hipótese vertente, a regra segundo a qual ao intérprete não cabe distinguir quando a norma não o fez. Desse modo, condenação anterior por crime de roubo não impede a aplicação das penas do art. 28, II e III, da Lei 11.343/06, com a limitação de 5 meses de que dispõe o § 3º do referido dispositivo legal. Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso especial
Dr. Ivan Morais Ribeiro
Advogado Criminalista Brasília
Escritório de advocacia especializado em direito penal
Escritório direito penal Advogado Penal Criminal Tribunais Superiores
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